Em um movimento duplo e enérgico para conter o que autoridades já classificam como uma “epidemia de acidentes”, Rondonópolis está prestes a implementar suas duas mais contundentes ferramentas de fiscalização viária: o retorno dos radares eletrônicos e o início das blitze sistemáticas da Lei Seca.
As medidas, que devem entrar em operação nas próximas semanas, representam a resposta mais forte do município a uma alarmante escalada da violência no trânsito, que viu o número de mortes saltar 55% em 2024 e que continua a ceifar vidas em 2025.
A cidade se prepara para uma nova realidade e os números impactantes da fiscalização na capital, Cuiabá, servem como um prenúncio do que está por vir.
O palco para esta ofensiva foi montado com a resolução de dois antigos gargalos. A primeira, e mais recente, foi a homologação, no final de setembro, do resultado da licitação para a instalação de 60 faixas de fiscalização eletrônica, incluindo controladores de velocidade, de avanço de sinal e de parada sobre a faixa de pedestres – reativando assim os radares após um hiato de cinco anos.
A cidade estava sem qualquer tipo de radar fixo desde 2020, um vácuo de fiscalização que, segundo especialistas e agentes de trânsito, contribuiu diretamente para o comportamento imprudente de motoristas e o consequente aumento no número de acidentes graves.
Paralelamente, a cidade finaliza os preparativos para o início das operações do seu novo pátio de apreensão de veículos, com mais de 10 mil metros quadrados.
A estrutura, aguardada há anos, é a peça que faltava para viabilizar as operações da Lei Seca, permitindo a remoção e guarda de veículos irregulares, inserindo Rondonópolis definitivamente no cronograma estadual de blitze, e com isso pondo fim a uma longa espera por fiscalização mais rigorosa.
Números que clamam por Ação
A urgência das medidas é traduzida em estatísticas trágicas. Um levantamento do jornal A TRIBUNA, publicado em janeiro de 2025, revelou que o número de mortes no trânsito saltou de 38 em 2023 para 59 em 2024. A tendência de alta, infelizmente, vem persistindo em 2025. Dados da SEMOB – Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, mostram que apenas no primeiro trimestre de 2025, já haviam sido registrados 518 acidentes.
Em depoimento à mídia local, o agente de trânsito Valdecir Alves, conhecido como “Amarelinho”, foi categórico ao correlacionar a ausência dos radares com o perigo nas ruas.
“Infelizmente, boa parte dos condutores só respeita as leis de trânsito quando sentem que podem ser penalizados, seja por uma multa ou pela perda de pontos na carteira. Sem os radares, muitas avenidas importantes viraram pistas de corrida”, afirmou.
A percepção do agente é ecoada por moradores em reportagens que frequentemente citam o excesso de velocidade e o desrespeito à sinalização como as principais causas do caos viário que, ao longo de muitos anos, tem visto as avenidas da cidade se transformarem em “pistas de corrida”.
A combinação de álcool e direção agrava ainda mais o quadro. A ausência de blitze regulares da Lei Seca criou uma sensação de impunidade, que as autoridades esperam reverter drasticamente com a nova estrutura.
O que esperar: O modelo da Capital
Com a infraestrutura necessária prestes a operar, Rondonópolis poderá impor o modelo de operação já consolidado em Cuiabá. As blitze na capital são conhecidas por serem ações integradas, envolvendo o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Detran-MT, Polícia Militar e a secretaria de mobilidade local.
Elas ocorrem de forma estratégica e contínua, principalmente nos fins de semana e em locais de grande fluxo, com o objetivo claro de retirar de circulação os motoristas que insistem na combinação de álcool e direção.
Raio-x da fiscalização: os números de Cuiabá como alerta

Para que os cidadãos rondonopolitanos possam ter uma dimensão clara do que significa a chegada efetiva da Lei Seca, os resultados consolidados das operações em Cuiabá, entre julho e setembro de 2025, são o melhor termômetro.
Segundo um levantamento de dados, divulgados pelas forças de segurança e pela imprensa estadual, o balanço dos últimos 3 meses na capital revela um cenário de fiscalização intensa:
- Prisões por Embriaguez: Mais de 110 condutores foram presos em flagrante por dirigir sob efeito de álcool, um crime de trânsito inafiançável.
- Veículos Removidos: Cerca de 303 carros e motocicletas foram guinchados e levados para o pátio por irregularidades diversas, principalmente a combinação de álcool e direção.
- Autuações (Multas): Foram lavrados mais de 850 autos de infração (AITs) especificamente por alcoolemia (recusa ao teste do bafômetro ou resultado positivo), infração gravíssima com multa de R$ 2.934,70 e suspensão da CNH.
- Motoristas sem CNH: Mais de 130 pessoas foram flagradas dirigindo sem possuir a Carteira Nacional de Habilitação, um risco adicional à segurança de todos.
Rondonópolis: uma estratégia de duas frentes

Com a reativação dos equipamentos eletrônicos, a expectativa da SEMOB é acalmar o tráfego em pontos críticos da cidade, como as Avenidas Lions Internacional, Presidente Médici e a Rua Dom Pedro II.
“O estudo técnico que embasou a licitação identificou os locais com maiores índices de acidentes e excesso de velocidade. O objetivo não é ‘multar por multar’, mas sim proteger vidas, forçando o motorista a respeitar os limites”, explicou uma fonte da pasta.
Ao mesmo tempo, as operações da Lei Seca, a despeito do modelo já consolidado em Cuiabá, pode atuar de forma integrada entre as forças de segurança estaduais e municipais para tirar de circulação condutores alcoolizados.
A medida foi reforçada por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em abril pelo Ministério Público, que cobrava ações efetivas do município para frear a violência no trânsito desde gestões municipais anteriores.
Para o promotor de Justiça Wagner Antonio Camilo, que esteve à frente das discussões, a situação exigia uma resposta firme.
“Não podemos mais tolerar a perda de vidas por imprudência. A implementação de um pátio e a consequente viabilização da fiscalização da Lei Seca são passos fundamentais para restabelecer a ordem e a segurança”, declarou o promotor em comunicado do Ministério Público.
A implementação conjunta das duas frentes de fiscalização – eletrônica e humana – sinaliza uma nova era para o trânsito em Rondonópolis.
Resta saber se o “remédio amargo”, como as medidas vêm sendo chamadas, será suficiente para curar uma cidade que hoje adoece pela violência em suas ruas e avenidas, um desafio que dependerá não apenas do rigor da lei, mas da conscientização de cada cidadão ao volante.
Fonte: Da Reportagem