Ao Haaretz, oficial israelense reforçou que decisão foi tomada após derrota do Hamas em Khan Younis; ministro da Defesa diz que retirada visa a preparo para próximas missões, incluindo operação em Rafah
Israel retirou suas forças terrestres do sul da Faixa de Gaza ontem domingo, segundo a imprensa local, em uma desocupação parcial após seis meses da guerra devastadora desencadeada pelos ataques do grupo terrorista Hamas ao país em 7 de outubro. A justificativa para a decisão foi o esgotamento de todas as operações de inteligência e combate na região de Khan Younis, de onde as tropas se retiraram após quatro meses, e a necessidade de preparar os soldados para as próximas missões, inclusive na área de Rafah, na fronteira com o Egito, onde 1,4 milhão de palestinos estão concentrados em condições precárias para fugir da guerra.
Fontes militares negaram que a retirada tenha sido resultado de uma exigência feita pelos Estados Unidos — cada vez mais críticos à ofensiva israelense em Gaza, que já deixou mais de 33 mil palestinos mortos — ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, com quem o presidente Joe Biden teve uma tensa conversa esta semana.
— Estamos dispostos a operar sempre que necessário, mas não há necessidade de permanecermos no setor sem uma necessidade [operacional]. A 98ª Divisão desmantelou as Brigadas Khan Younis do Hamas e matou milhares de seus membros. Fizemos tudo o que podíamos lá — declarou um oficial israelense ao jornal Haaretz.
O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, confirmou que a saída das tropas de Khan Younis é prelúdio de novas “missões (…) na área de Rafah”. O próprio Netanyahu reiterou neste domingo que Israel está determinado a levar a cabo “a completa eliminação do Hamas em toda a Faixa de Gaza, incluindo Rafah”.
Ainda segundo o oficial citado pelo Haaretz, a saída de Khan Younis permitirá que os palestinos deslocados voltem para suas casas depois de terem se abrigado em Rafah. Ele esclareceu, no entanto, que uma “força significativa” continuará operando em outros lugares do território palestino sitiado, capaz de “conduzir operações precisas baseadas em inteligência”. Dezenas de palestinos voltaram a Khan Younis após a retirada, mas muitos estão receosos de fazer o mesmo.
— Os militares podem dizer que saíram hoje, mas podem voltar amanhã. Não vou embarcar em uma aventura com a minha vida e a da minha família — disse Osama Asfour, de anos 41, morador de Khan Younis abrigado em uma tenda em Rafah.
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Em um futuro próximo, as Forças Armadas planejam designar três divisões para a fronteira de Gaza, a partir das quais as forças do Exército poderão se deslocar para a Faixa sempre que necessário, disse o oficial. As forças também ficarão estacionadas no Kibbutz Kissufim, na fronteira com Gaza, informou o Haaretz.
Para Netanyahu, Israel está a apenas “um passo da vitória” e prometeu que não haverá trégua nos combates até que o Hamas liberte todos os reféns.
— Não haverá cessar-fogo sem o retorno dos reféns. Isso simplesmente não acontecerá — disse o premier israelense ao seu Gabinete, enfatizando que “Israel está pronto para um acordo”, mas “não está pronto para se render”.
A retirada parcial das tropas israelenses do sul da Faixa de Gaza é provavelmente para que seu efetivo possa “descansar e se recondicionar”, declarou a Casa Branca neste domingo.
— Eles estão no terreno há quatro meses, o que percebemos é que estão cansados, precisam se recondicionar — disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, no programa “This Week” da rede ABC, embora tenha ressaltado que é “difícil saber exatamente o que isso indica agora”.
Os ataques aéreos continuaram a bombardear Khan Yunis e Rafah durante a noite, segundo testemunhas oculares.
A notícia da retirada parcial veio no dia em que se esperava que as negociações para uma trégua e um acordo de libertação de reféns fossem retomadas no Cairo. O chefe da CIA, Bill Burns, e o primeiro-ministro do Catar, xeque Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim al-Thani, se juntarão às autoridades egípcias para conversações indiretas a partir deste domingo entre as delegações israelense e do Hamas, informou o jornal egípcio al-Qahera News.
Crianças em Gaza
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Netanyahu há muito tempo ameaçava uma ofensiva terrestre na cidade de Rafah, no extremo sul de Gaza, gerando preocupação global, inclusive do principal aliado de Israel, os Estados Unidos. Cerca de 1,4 milhão de palestinos estão amontoados na área da fronteira egípcia, muitos vivendo em barracas.
Na quinta-feira, o presidente Joe Biden ameaçou pela primeira vez condicionar o apoio dado a Israel à adoção pelo governo de Netanyahu de medidas tangíveis para responder à catástrofe humanitária em Gaza. No primeiro telefonema entre os dois líderes após a morte de sete trabalhadores humanitários em um ataque israelense no enclave palestino, o americano subiu o tom. O democrata também subiu o tom e pediu que o premier chegasse a um “cessar-fogo imediato” no território palestino, refletindo uma “grande frustração” com o governo do Estado judeu, segundo a Casa Branca.
“O presidente Biden enfatizou que os ataques aos trabalhadores humanitários e a situação humanitária geral são inaceitáveis”, informou a Casa Branca em um comunicado. “Ele deixou clara a necessidade de Israel anunciar e implementar uma série de medidas específicas, concretas e mensuráveis para lidar com os danos aos civis, o sofrimento humanitário e a segurança dos trabalhadores humanitários. Ele deixou claro que a política dos EUA com relação a Gaza será determinada por nossa avaliação da ação imediata de Israel com relação a essas medidas.”
A declaração foi a mais incisiva emitida pela Casa Branca nos seis meses de guerra entre Israel e o Hamas, ressaltando a crescente frustração do presidente com Netanyahu, que desafiou a pressão americana para reduzir o sofrimento dos civis em Gaza. Foi a primeira vez também que Biden sugeriu que os EUA pode condicionar sua assistência a Israel, um importante aliado no Oriente Médio.
Corpos sob os escombros
Neste domingo, vários caminhões de ajuda humanitária entraram no sul de Gaza pelo cruzamento de Rafah com o Egito, com os motoristas buzinando enquanto multidões corriam atrás deles, segundo imagens da AFP TV.
Israel enfrentou uma tempestade de indignação internacional pela morte de sete trabalhadores humanitários da organização beneficente de alimentos World Central Kitchen, sediada nos EUA, em um ataque aéreo em Gaza no dia 1º de abril.
Muhammad Yunis, de 51 anos, palestino e pai de seis filhos no norte de Gaza, disse à AFP que os 2,4 milhões de habitantes do território precisam desesperadamente de um alívio dos bombardeios e do sofrimento.
— Já se passou meio ano e os bombardeios e a fome continuam — disse o homem de Beit Lahia, que agora é uma paisagem de prédios destruídos. — Ver os corpos magros de nossos filhos nos tira a alma. Sinto-me impotente e humilhado. O bombardeio, a morte e a destruição não são suficientes? Ainda há corpos sob os escombros. Podemos sentir o mau cheiro.
A chefe da UNICEF, Catherine Russell, destacou que mais de 13 mil crianças estariam entre os mortos.
“Casas, escolas e hospitais em ruínas. Professores, médicos e humanitários foram mortos. A fome é iminente”, disse ela no X, antigo Twitter, no sábado. “O nível e a velocidade da destruição são chocantes. As crianças precisam de um cessar-fogo AGORA”.
Hospital uma ‘concha vazia’
A guerra de Gaza teve início em 7 de outubro com um ataque sem precedentes de combatentes do Hamas que resultou na morte de 1.170 pessoas, a maioria civis, segundo dados israelenses. Integrantes do Hamas e da Jihad Islâmica também fizeram mais de 250 reféns, e 129 permanecem em Gaza, incluindo 34 que o exército diz estarem mortos.
A ofensiva de retaliação de Israel matou pelo menos 33.175 pessoas em Gaza, a maioria mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde do território administrado pelo Hamas. Vastas áreas de Gaza foram transformadas em um terreno baldio repleto de escombros, com sua população presa em uma terrível crise humanitária em meio ao cerco israelense.
Gaza tem recebido apenas ajuda esporádica por meio de uma travessia rodoviária com o Egito, lançamentos aéreos e dois carregamentos marítimos, e as agências de ajuda alertam que as entregas estão muito aquém das necessidades urgentes.
Sob pressão dos EUA, Israel se comprometeu a permitir, pela primeira vez, a entrega de ajuda por meio da passagem de fronteira de Erez com o norte de Gaza.
A maioria dos hospitais de Gaza está fora de ação e o maior deles, al-Shifa, é “agora uma concha vazia com sepulturas humanas”, disse o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Protestos em massa
Enquanto isso, Netanyahu vem sofrendo intensa pressão em seu país por parte das famílias e dos apoiadores dos reféns, bem como de um ressurgente movimento de protesto contra o governo. Dezenas de milhares de pessoas se reuniram em Tel Aviv e em outras cidades no sábado, exigindo “eleições já”. Entre os manifestantes estava o líder da oposição centrista de Israel, Yair Lapid, que mais tarde foi para Washington, segundo seu partido Yesh Atid.
Esperava-se que Lapid se reunisse com o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, com o Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, e com o Líder da Maioria no Senado, Chuck Schumer, um crítico ferrenho de Netanyahu.
Os temores de que a guerra possa se espalhar se intensificaram depois que o Irã prometeu retaliação pela morte de sete militares da Guarda Revolucionária em um ataque aéreo na última segunda-feira ao anexo consular de sua embaixada em Damasco.
Yahya Rahim Safavi, conselheiro sênior do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, foi citado pela agência de notícias ISNA como tendo dito que “as embaixadas do regime sionista não são mais seguras”.